Entre a possibilidade de acertar muito, existente
Na matemática, e a possibilidade de errar muito,
Que existe na escrita (errar de errência, de caminhar
Mais ou menos sem meta) optei instintivamente
Pela segunda. Escrevo porque perdi o mapa.
E até o santo
Ele vendeu com muita fé
Comprou fiado
Prá fazer sua mortalha
Tomou um gole de cachaça
E deu no pé...
Mariazinha
Ainda viu João no mato
Matando um gato
Prá vestir seu tamborim
E aquela tarde
Já bem tarde, comentava
Lá vai um homem
Se acabar até o fim...
João bebeu
Toda cachaça da cidade
Bateu com força
Em todo bumbo que ele via
Gastou seu bolso
Mas sambou desesperado
Comeu confete
Serpentina
E a fantasia...
Levou um tombo
Bem no meio da avenida
Desconfiado
Que outro gole não bebia
Dormiu no tombo
E foi pisado pela escola
Morreu de samba
De cachaça e de folia...
Tanto ele investiu
Na brincadeira
Prá tudo, tudo
Se acabar na terça-feira...
Vendeu seu terno
E até o santo
Comprou fiado
Tomou um gole
João no mato
Matando um gato
Naquela tarde
Lá vai o homem...
João bebeu
Toda cachaça da cidade
Bateu com força
Em todo bumbo que ele via
Gastou seu bolso
Mas sambou desesperado
Comeu confete
Serpentina
E a fantasia...
Levou um tombo
Bem no meio da avenida
Desconfiado
Que outro gole não bebia
Dormiu no tombo
E foi pisado pela escola
Morreu de samba
De cachaça e de folia...
Tanto ele investiu
Na brincadeira
Prá tudo, tudo
Se acabar na terça-feira...
Prá tudo, tudo
Se acabar na terça-feira...
EMBRIAGUEM-SE
É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.
Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.
E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.
Baudelaire
Poema em linha reta
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)
[538]
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Dorian Gray, personagem principal de “O retrato de Dorian Gray”, obviamente, perde lugar para o grande personagem de Oscar Wilde, Henry Wotton, nosso querido Harry.
O jovem influenciável só chegar a ser o que é em virtude de Harry; ou melhor, só chega a ser o que é por vontade própria, pois deixa-se influenciar, se pensarmos à maneira deste. Maneira essa desprezada muitas vezes pela sociedade, como podemos perceber pelos comentários feitos pelas diversas personagens presentes em variados encontros boêmios freqüentados por Henry e Gray.
Henry Wotton é incrivelmente bem construído, além de ser realmente provocador. Podemos lembrar, é claro, da perseguição a Oscar Wilde após a escrita desse livro “depravado”. São tantas as teorias de Wotton, que seria impossível listá-las neste pequeno post – impossível e desagradável, pois o prazer dos ainda não-leitores seria retirado. Mas, como Dorian chega a dizer no final do livro, é possível pensar que elas são motejos ou crueldades, mas, na minha análise, o lorde Harry nada mais é que um pensador desprendido de todas- ou quase todas- as convenções da sociedade. Tenta ser um homem que vive pelas próprias regras, mesmo que elas não agradem a todos, o que geralmente ocorre, pois, para a maioria, é difícil aceitar que as pessoas ajam de forma diversa daquela já programada e aceita. Isso é inadimissível, para elas, pois, senão, viveríamos num mundo de caos.
Apesar da sua irreverência, não sei se seria possível conviver com pessoa de tamanha personalidade e teorias, mas, para um personagem não presente em minha vida, elogio a sua existência.
"As mulheres nos amam pelos nossos defeitos. Se não os temos, transmitem-nos os seus, mesmo à nossa inteligência...(...)"
"Um homem pode ser feliz com qualquer mulher enquanto não a ama."
"Creio e confesso-o que mais vale ser belo que bom. Mas, por outro lado, ninguém estará mais disposto do que eu a reconhecer que mais vale ser bom do que feio."
"Para ser popular, é preciso ser-se medíocre." - alguém se recorda do medalhão de Machado de Assis?
"Os livros que a sociedade qualifica imorais são os que lhe exibem a sua própria vergonha."
(todas frases de Henry Wotton)