19/10/2009

minha profissão

Por que optei por escrever? Não sei. Ou talvez saiba:
Entre a possibilidade de acertar muito, existente
Na matemática, e a possibilidade de errar muito,
Que existe na escrita (errar de errência, de caminhar
Mais ou menos sem meta) optei instintivamente
Pela segunda. Escrevo porque perdi o mapa.

Gonçalo M. Tavares

anedotinhas do pasquim

De manhã, o pai bate na porta do quarto do filho:

– Acorda, meu filho. Acorda, que está na hora de você ir para o colégio.

Lá de dentro, estremunhado, o filho respondeu:

– Pai, eu hoje não vou ao colégio. E não vou por três razões: primeiro, porque eu estou morto de sono; segundo, porque eu detesto aquele colégio; terceiro, porque eu não aguento mais aqueles meninos.

E o pai respondeu lá fora:

– Você tem que ir. E tem que ir, por três razões: primeiro, porque você tem um dever a cumprir; segundo, porque você já tem 45 anos; terceiro, porque você é o diretor do colégio.

(Anedotinhas do Pasquim. Rio de Janeiro. Codecri, 1981)

09/10/2009

mais um post...

... sobre bebida


Cachaça Mecânica

Erasmo Carlos


Vendeu seu ternoSeu relógio e sua alma

E até o santo
Ele vendeu com muita fé
Comprou fiado
Prá fazer sua mortalha
Tomou um gole de cachaça
E deu no pé...

Mariazinha
Ainda viu João no mato
Matando um gato
Prá vestir seu tamborim
E aquela tarde
Já bem tarde, comentava
Lá vai um homem
Se acabar até o fim...

João bebeu
Toda cachaça da cidade
Bateu com força
Em todo bumbo que ele via
Gastou seu bolso
Mas sambou desesperado
Comeu confete
Serpentina
E a fantasia...

Levou um tombo
Bem no meio da avenida
Desconfiado
Que outro gole não bebia
Dormiu no tombo
E foi pisado pela escola
Morreu de samba
De cachaça e de folia...

Tanto ele investiu
Na brincadeira
Prá tudo, tudo
Se acabar na terça-feira...

Vendeu seu terno
E até o santo
Comprou fiado
Tomou um gole
João no mato
Matando um gato
Naquela tarde
Lá vai o homem...

João bebeu
Toda cachaça da cidade
Bateu com força
Em todo bumbo que ele via
Gastou seu bolso
Mas sambou desesperado
Comeu confete
Serpentina
E a fantasia...

Levou um tombo
Bem no meio da avenida
Desconfiado
Que outro gole não bebia
Dormiu no tombo
E foi pisado pela escola
Morreu de samba
De cachaça e de folia...

Tanto ele investiu
Na brincadeira
Prá tudo, tudo
Se acabar na terça-feira...

Prá tudo, tudo
Se acabar na terça-feira...

02/10/2009

EMBRIAGUEM-SE

EMBRIAGUEM-SE

É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.



Baudelaire

03/08/2009

always Nietzsche

"As mulheres podem tornar-se facilmente amigas de um homem; mas, para manter essa amizade, torna-se indispensável o concurso de uma pequena antipatia física."

28/07/2009

estar sendo.ter sido

"... penso que ele sabia que se efetivamente se deitasse com ela o sonho terminaria. sábio Kramer. nunca mais o vi. há sonhos que devem permanecer nas gavetas, nos cofres, trancados até nosso fim." Hilda Hilst

como não sei usar decentemente as palavras, uso uma pessoa que as usa por mim.

23/07/2009

pensamento

"O que é o amor senão o compreendermos e alegrarmo-nos com o facto da outra pessoa viver, agir e experienciar de forma diversa da nossa". Nietzsche

22/07/2009

Letras em pauta

o mal do estudante de Letras é não poder (porque não tem tempo) ler o que quer.
o bom é que, muitas vezes, ele tem ler textos bons, o que compensa a privação anterior.


Quero ler: As boas mulheres da China

21/07/2009

[285] do livro do desassossego

Estou quase convencido de que nunca estou desperto. Não sei se não sonho quando vivo, se não vivo quando sonho, ou se o sonho e a vida não são em mim coisas mistas, intersecionadas, de que meu ser consciente se forme por interpenetração.
Às vezes, em plena vida ativa, em que, evidentemente, estou tão claro de mim como todos os outros, vem até à minha suposição uma sensação estranha de dúvida; não sei se existo, sinto possível o ser um sonho de outrem, afigura-se-me, quase carnalmente, que poderei ser personagem de uma novela, movendo-me, nas ondas longas de um estilo, na verdade feita de uma grande narrativa.
Tenho reparado, muitas vezes, que certas personagens de romance tomam para nós um relevo que nunca poderiam alcançar os que são nossos conhecidos e amigos, os que falam conosco e nos ouvem na vida visível e real. E isto faz com que sonhe a pergunta se não será tudo neste total de mundo uma série entreinserta de sonhos e romances, como caixinhas dentro de caixinhas maiores – umas dentro de outras e estas em mais –, sendo tudo uma história com histórias, como as Mil e Uma Noites, decorrendo falsa na noite eterna.
Se penso, tudo me parece absurdo; se sinto, tudo me parece estranho; se quero, o que quer é qualquer coisa em mim. Sempre que em mim há ação, reconheço que não fui eu. Se sonho, parece que me escrevem. Se sinto, parece que me pintam. Se quero, parece que me põem num veículo, como amercadoria que se envia, e que sigo com um movimento que julgo próprio para onde não quis que fosse senão depois de lá estar.
Que confusão é tudo! Como ver é melhor que pensar, e ler melhor que escrever! O que vejo, pode ser que me engane, porém não o julgo meu. O que leio, pode ser que me pese, mas não me perturba o tê-lo escrito. Como tudo dói se o pensamos como conscientes de pensar, como seres espirituais em quem se deu aquele segundo desdobramento da consciência pelo qual sabemos que sabemos! Embora o dia esteja lindíssimo, não posso deixar de pensar assim... Pensar ou sentir, ou que coisa terceira entre os cenários postos de parte? Tédios do crepúsculo e do desalinho, leques fechados, cansaço de ter tido que viver...



Bernando Soares

29/06/2009

"Persuadidos dos perdões e das indulgências, basta atirarem a uma bandeja uma pequena moeda, para ficarem tão limpos e tão puros dos seus numerosos roubos como quando saíram da pia batismal. Tantos falsos juramentos, tantas impurezas, tantas bebedeiras, tantas brigas, tantos assassínios, tantas imposturas, tantas perfídias, tantas traições, numa palavra, todos os delitos se redimem com um pouco de dinheiro, e de tal maneira se redimem que se julga poder voltar a cometer de novo toda sorte de más ações."

em Elogio da Loucura de Erasmo de Rotterdam

26/06/2009

Clarice nunca faz mal

trechos de O crime do professor de matemática de Clarice Lispector:

"E, inquieto, eu começava a compreender que não exigias de mim que eu cedesse nada da minha para te amar, e isso começava a me importunar.(...) Não me pedindo nada, me pedias demais."

"Mas só tu e eu sabemos que te abandonei porque eras a possibilidade constante de eu pecar o que, no disfarçado de meus olhos, já era pecado. Então pequei logo para ser logo culpado. E este crime subtitui o crime maior que eu não teria coragem de cometer", pensou o homem cada vez mais lúcido."

"Procurando punir-se com um ato de bondade e ficar livre de seu crime. Como alguém dá uma esmola para enfim poder comer o bolo por causa do qual o outro não comeu o pão."



14/04/2009

Poema em linha reta

Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)

[538]

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

22/01/2009

Henry Wotton: um pseudo-retatro

Dorian Gray, personagem principal de “O retrato de Dorian Gray”, obviamente, perde lugar para o grande personagem de Oscar Wilde, Henry Wotton, nosso querido Harry.

O jovem influenciável só chegar a ser o que é em virtude de Harry; ou melhor, só chega a ser o que é por vontade própria, pois deixa-se influenciar, se pensarmos à maneira deste. Maneira essa desprezada muitas vezes pela sociedade, como podemos perceber pelos comentários feitos pelas diversas personagens presentes em variados encontros boêmios freqüentados por Henry e Gray.

Henry Wotton é incrivelmente bem construído, além de ser realmente provocador. Podemos lembrar, é claro, da perseguição a Oscar Wilde após a escrita desse livro “depravado”. São tantas as teorias de Wotton, que seria impossível listá-las neste pequeno post – impossível e desagradável, pois o prazer dos ainda não-leitores seria retirado. Mas, como Dorian chega a dizer no final do livro, é possível pensar que elas são motejos ou crueldades, mas, na minha análise, o lorde Harry nada mais é que um pensador desprendido de todas- ou quase todas- as convenções da sociedade. Tenta ser um homem que vive pelas próprias regras, mesmo que elas não agradem a todos, o que geralmente ocorre, pois, para a maioria, é difícil aceitar que as pessoas ajam de forma diversa daquela já programada e aceita. Isso é inadimissível, para elas, pois, senão, viveríamos num mundo de caos.

Apesar da sua irreverência, não sei se seria possível conviver com pessoa de tamanha personalidade e teorias, mas, para um personagem não presente em minha vida, elogio a sua existência.



"As mulheres nos amam pelos nossos defeitos. Se não os temos, transmitem-nos os seus, mesmo à nossa inteligência...(...)"

"Um homem pode ser feliz com qualquer mulher enquanto não a ama."

"Creio e confesso-o que mais vale ser belo que bom. Mas, por outro lado, ninguém estará mais disposto do que eu a reconhecer que mais vale ser bom do que feio."

"Para ser popular, é preciso ser-se medíocre." - alguém se recorda do medalhão de Machado de Assis?

"Os livros que a sociedade qualifica imorais são os que lhe exibem a sua própria vergonha."

(todas frases de Henry Wotton)